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Da escrita à morte I

Quando os médicos lhe ordenaram manter um diário atualizado de suas memórias e emoções, não se irritou. Ele gostava do exercício de escrever, sempre gostou.

Ver as letras surgindo na tela era o que lhe acalmava sempre, mas não naquele dia. Escrevera o seguinte em seu diário.

“Pela primeira vez, desde que comecei esse diário é que me sinto mal depois do exercício. Isso me assusta. Ver as letras surgindo na tela era o que me acalmavam e hoje não. Elas são indiferentes – porcaria – não sou eu, é o padrasto que grita na cozinha.

Eu apenas me irrito com a incompetência dele. Com a minha própria incompetência. Fui educado assim: a chamar os outros de imprestáveis.

Lembro que ele me ensinou assim, esse padastro, que assumiu o lugar de meu pai. Quando era criança, cada vez que eu fazia algo, ou tentava fazer, ele me dizia que eu não sabia fazer nada. A mãe, tentava me defender e às vezes até me elogiava, mas não era muito diferente. Ela também, sempre que podia dizia que a culpa era minha.”

Naquele dia resolveu tudo: matou os dois. Provou a eles que ambos estavam errados. E depois ainda escreveu:

“Matei, bem matado. Meu pai-padastro sorria, finalmente havia feito algo certo, minha mãe não. Ela estava triste, percebera que ela era a culpada, que aquele era o seu julgamento.

Eu estava feliz, sentia-me livre, finalmente.”

Havia se libertado. Não tinha mais correntes ou cordões lhe aprisionando a alma ou o espirito. Não precisava mais de médico. Estava livre.

Deixou os dois no chão, juntos e fui tomar banho.

 

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