The true cost (O Verdadeiro Custo) é um convite a reflexão sobre a relação entre exploração de trabalhadores das fábricas de roupa e o custo que pagamos por cada peça.
Ao assistir algumas cenas do documentário sobre a industria da moda The true cost fui pego pela lembrança de uma visita ao campo de concentração em Auschvitz. As condições dos dormitórios, banheiros em que os prisioneiros ficavam eram parecidas com locais onde animais habitam.
É difícil imaginar que seres humanos pudessem ter sobrevivido naquelas condições. Algo parecido acontece com a maneira com alguns trabalhadores da industria da moda.
Como os trabalhadores são tratados?
“Não comprem essas roupas, pois elas são feitas com sangue”. Frase de uma trabalhadora.
Bangladesh parece ser o pior cenário. Em abril de 2014, o desabamento do edifício conhecido com Rana Plaza teve mais de 1000 mortes registradas. Nesse local operavam fábricas de roupas.
Um acidente que pode acontecer em qualquer lugar do planeta, exceto pelo fato de que os donos foram notificados sobre os problemas da construção e do risco de desabamento. Mesmo cientes do que poderia acontecer, decidiram continuar com a produção, pois precisavam respeitar os prazos.
Em um outro momento, uma trabalhadora de uma das fábricas, também em Bangladesh, reuniu solicitações para melhoria das condições de trabalho. Após apresentar as informações aos supervisores, ela e outras colegas ficaram em portas fechadas e foram espancadas em resposta às solicitações.
Na Cambodia, trabalhadores foram surrados e mortos por exigirem melhores condições de trabalho. Um deles foi espancado até a porte pela polícia.
Estas são algumas das histórias apresentadas pelo documentário The True Cost. Um documentário que apresenta em que condições roupas de grandes marcas são fabricadas e quais os impactos que isso tem para a vida dessas comunidades e para o meio ambiente.
Impacto na agricultura
O problema não se restringe aos trabalhadores de fábricas, mas também aos agricultores que produzem o algodão.
Há alguns anos, na Índia, uma empresa reformulou geneticamente uma semente do algodão, pois dessa maneira o pesticida conseguiria tratar adequadamente das pragas que atacam as plantações de algodão. Os fazendeiros adquiriram as novas sementes e também os novos pesticidas para matar a praga.
A nova semente não resolveu o problema, porém, agora, os fazendeiros tinham um agravante: uma divida com a empresa fruto do empréstimo para compra da nova semente e do pesticida.
Depois de um tempo, a mesma empresa cobrava dos fazendeiros as dívidas acumuladas pelas sementes e pelo pesticidas vendidos. Muitos fazendeiros diante de uma situação, na qual não tinham saída, ia até o local onde guardavam os pesticidas e ingeriam um copo do pesticida. São muitos fazendeiros, estima-se que mais de 260 mil tenham cometido suicídio na Índia usando este método.
É difícil acreditar que tudo isso esteja envolvido no mundo da moda, mas documentário é tão bem elaborado e informativo com dados, fontes e entrevistas que convence.
Quem ganha com isso?
Quem vem ganhando muito dinheiro são grandes marcas que reduzem seus custos e aumentam suas margens de lucros. Essas empresas compra um comprar um jeans por U$ 0,20 e vender por U$ 20. O funcionário da fábrica que realmente trabalhou nessa pesa recebe um um pagamento mensal de U$ 10.
Uma dessas empresas é a H&M que fatura cerca 18 bilhões de dólares por ano. Será que com esse faturamento não seria possível fazer negócios mais justos com as fábricas locais? Não, o que impera é uma negociação agressiva para redução de custos. E qual fábrica quer perder um cliente? E qual governo quer perder uma empresa internacional com negócios e alimentando a economia. Afinal de contas, empregos são gerados.
O grande argumento de defesa para a exploração dessas fábricas é a geração de empregos e o investimento no país. A geração de emprego e o investimento não compensam a longo prazo. É como se vendêssemos água de um lago.
No início se paga um bom preço, mas a medida que se a produção aumenta os preços de venda reduzem até que se reste lama e não há mais razão para negócio. A empresa de fora sai com o lucro da exploração, a comunidade fica com um buraco de lama onde havia um lago.
O que me pergunto é: em que lugar ou em que momento começamos a ver a exploração das pessoas e dos lugares como um bom negócio?
O documentário retrata a industria americana e por lá há ainda um agravante: a legislação americana protege essas empresas e as isenta de responsabilidade.
Considerações finais sobre The True Cost
A mensagem do documentário é trazer essa quantidade de informações sobre a industria da moda para nos conscientizar e deixar na nossas mãos a decisão de comprar roupas a baixo custo ou se questionar de onde elas vem.
Uma questão não abordada no documentário refere-se ao poder aquisitivo das pessoas. Nem todos podem se dar ao luxo de escolher onde comprar suas roupas, muitas as vezes a escolha se restringe: a comprar uma roupa de origem exploradora(baixo custo) ou não comprar. Levanto esse questionamento com base na realidade brasileira, onde muitos não tem condições de comprar roupas, quanto mais de escolher se essa marca usa trabalho escravo ou se explora a vida de milhares de trabalhadores.
Outra questão é se aqueles que podem escolher, estão mesmo interessados em saber de onde as roupas vem? Será que vão pensar duas vezes antes de compra-las? Será que vão se dar conta de quantas pessoas trabalham nessas condições ou usaram o argumento de que as pessoas aceitaram e escolheram trabalhar nessas fábricas.
Não sabemos a realidade da Índia, Bangladesh ou Cambodia, mas conhecemos a realidade brasileira. Será que é tão difícil para a gente imaginar como é feita essa escolha? Será que não conhecemos alguém que se submete a andar duas ou três horas para trabalhar em local por menos de um salário?
São questionamentos que não são abordados no documentário e talvez nem deveriam, pois a perspectiva é de que apenas Estados Unidos e Europa consomem esses produtos. Essa é a única crítica que faço em relação a esse trabalho, mas isso não compromete a obra, muito bem feita, conduzida, com um bom ritmo e uma informação riquíssima para todos.